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24/03/2008 - O CORVO ESPERA
Miro Hildebrando.
Doutor em economia/vbrando@uniplac.net.
Os brasileiros se habituaram a ver o que a ortodoxia econômica repudiava e economistas tradicionais caíam de pau alegando que tais medidas – que muitos chamavam elegantemente de políticas heterodoxas, enquanto outros simplesmente chamavam de “pacotes econômicos” – contrariavam o que os velhos manuais de economia prescreviam.
Exaustos após tantos truques econômicos, que começaram com o velho Plano Cruzado nos idos de 1986, chegamos ao ponto de acreditar que “fora da ortodoxia não há salvação”. O supra-sumo da ortodoxia veio dos Estados Unidos, de onde economistas de muitos matizes acabaram aceitando o receituário do Consenso de Washington, um conjunto de políticas e decisões neoliberais que prescreviam austeridade, respeito às forças de mercado e disciplina fiscal imposto especialmente às economias dos países em desenvolvimento.
E agora o mundo presencia, estupefato, muitas instituições financeiras norte-americanas, pela hora da morte, mendigando do Federal Reserve uma ajudinha que pode ficar entre 400 bilhões e 1 trilhão de dólares. Outras, sem poder escapar da bacia das almas, são vendidas por míseros US$ 2,00 por ação; ainda veremos entrega das chaves de um banco para outro por simbólico US$ 1,00. Deste modo, agora fazem o que alguns países, entre eles o Brasil, fizeram no passado recente (retirando dinheiro do contribuinte e entregando-o a pressurosos banqueiros) e contrariando famosos princípios de mercado gravados no bronze da não-intervenção neoliberal.
Isso quer dizer, então, que a pátria da economia de mercado e dos sagrados princípios da economia liberal agora simplesmente esquece tudo de uma vez ao partir para certo pragmatismo (suspeito, por possivelmente incluir favores para um ou outro). Esse mesmo pragmatismo, em algum momento obscuro do passado recente, resolveu reclassificar títulos de lastro duvidoso, batizados elegantemente de subprime (algo assim como subexcelente).
A conseqüência, além de muitos lucros e bônus para os gênios que criaram esse tipo de negociação, agora se revela plenamente: excesso de financiamento para um único imóvel, supervalorização dos imóveis causada pela ganância usual e especulação pura e simples. Lembro-me que, quando estudava na capital americana, falava-se que nos subúrbios “nada era tão fácil quanto vender casas de um milhão de dólares”.
Pelo esquema, uma casa avaliada em US$ 100 mil recebia um financiamento de US$ 90 mil e, algum tempo após, outro financiamento no mesmo valor, graças à valorização que agora virou fumaça, retornando ao seu valor original (ou menos). Poderia ser apenas um problema paroquial, restrito à economia americana, mas os financiadores estão em todo o mundo, e os títulos subprime se espalharam por muitas carteiras de investimentos mundo afora.
Os brasileiros viram muitas vezes o governo transferir fortunas para os banqueiros, em nome da saúde do sistema financeiro e para fazer com que nossos bancos deixassem de ser nanicos em comparação com os gigantes internacionais. Agora, os bancos brasileiros estão saudáveis e competitivos e continuam alegremente a tirar o couro dos correntistas com mais de uma centena de diferentes tipos de tarifas e uma taxa de juros absurda. Dadas nossas prioridades econômicas, nossos problemas sociais, a quase ânsia dos cidadãos por emprego e crescimento, não é mais aceitável destinar dinheiro dos orçamentos públicos para ajudar banqueiros.
Mas e quanto aos americanos? Em nome de um mal menor, é exatamente isso que vão fazer: engolir as velhas frases paternais do “New York Times”, suportar as ironias da revista britânica “The Economist” e sepultar de vez as severas admoestações do FMI contra nações latino-americanas negligentes dos fundamentos macroeconômicos e preocupadas com políticas sociais.
Fonte: A NOTÍCIA |