Confira o último artigo cadastrado:
02/04/2007 - MÃE VINGATIVA
De um modo um tanto shakespeariano, poderíamos perguntar: que é mais nobre para a alma: eliminar a miséria humana arruinando a natureza ou preservar o meio ambiente mantendo milhões de pessoas em condições subumanas?
Os adeptos da primeira possibilidade já foram muito influentes.
Há algum tempo, um economista e membro importante do governo declarou na ONU que “a pior poluição é a miséria humana”, como uma justificativa para fazer coisas que muitos hoje repudiam. De outro lado, outros advogam como um novo dogma uma natureza pura e intacta, mesmo à custa do crescimento econômico e da pobreza.
Todos lembramos que o governo americano ignorou o Tratado de Kyoto – porque isso afetaria negativamente seu crescimento industrial – e chegou a autorizar a prospecção de petróleo nas geladas e alvas regiões do Alasca. E assim tornou-se um dos principais responsáveis pela resposta tardia às conclusões dos cientistas sobre o aquecimento global.
Não podemos ignorar que outros países fizeram quase a mesma coisa – a China também é um país altamente poluidor. Aqui mesmo, no Brasil, a natureza continuará sendo agredida: 200 mil focos de incêndio são aguardados neste ano nas regiões do norte do País.
Talvez tenhamos que mudar paradigmas antigos e crenças arraigadas profundamente em nossa psique, que nos fizeram manter atitudes que hoje são inacreditavelmente cruéis e destrutivas. As idéias de que “pode matar que é bicho” ou “água tem sobrando”, a destruição fútil do verde ou, sob outro prisma, manter populações inteiras em meio à degradação física em estranha proximidade de condomínios de luxo, fechados por altas grades e vigiados por cães ferozes, ainda são aceitas como normais, tanto nos subúrbios e favelas do Rio de Janeiro, Calcutá, Nova Iorque ou Kinshasa.
A idéia, tida por alguns como levemente bem-humorada, de que a natureza não se defende, mas se vinga, nunca se apresentará tão realista como agora. Como contrapeso de oceanos cada vez mais sujos e vazios da sua fauna característica, tufões e chuvas torrenciais que duram semanas a fio, florestas cada vez mais ralas e expostas a incêndios oportunistas, calor sufocante, rios que secam em meio à desertificação crescente.
Alguns países começam a preparar programas de proteção e mitigação de tais efeitos; suas populações conscientes e seus governos com certeza sofrerão menos no futuro. Seus netos estarão em uma posição muito melhor, comparativamente; em outros países, a reação só ocorrerá mediante a intervenção da dor – nossa mestra maior –, entre os quais, possivelmente, os brasileiros se incluem.
Urge pensar em termos de longo prazo, imaginando que atitudes e ações do presente resultarão em benefícios concretos no futuro. Não seria o caso de termos um ministério ou alguma secretaria de estado materializando tais decisões? Não me refiro somente a burocracia e as infindáveis análises de projetos, submetidas a interesses do tipo “brasa para minha sardinha”. Refiro-me a decisões de estadista e decorrentes medidas de proteção para seres humanos que ainda não chegaram a este mundo – direitos humanos de pessoas existentes na dimensão do futuro – e do meio ambiente.
Do contrário, seria o caso de relembrar a frase do poeta inglês: “Tudo há de sumir-se, tal como tênue visão, sem deixar o menor vestígio. Somos feitos da matéria dos sonhos...”
Miro Hildebrando, doutor em economia/brando@educatore.com.br
Fonte: A NOTÍCIA |