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18/10/2008 - A EVOLUÇÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO
Alexandre de Moraes - Professor Associado da Universidade de São Paulo (USP) e Professor Titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor e Livre-docente em Direito Constitucional pela USP.
Atualmente, exerce o cargo de Secretário dos Transportes de São Paulo. Foi Promotor de Justiça (1991-2002); Secretário da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (2002-2005) e Membro do Conselho Nacional de Justiça (2005-2007).
Nesses 20 anos de vigência da Constituição do Brasil, questão a ser constantemente analisada, em face dos direitos fundamentais, diz respeito à amplitude do “direito ao silêncio”, sob a ótica da impossibilidade de alguém ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, seja em suas declarações, seja na compulsoriedade de entrega de provas com potencial lesivo.
O “direito ao silêncio”, que engloba o privilege against self-incrimination do réu, em procedimentos criminais, é direcionado no intuito de preservar o caráter voluntário de seu julgamento, com um diálogo eqüitativo entre o indivíduo e o Estado, como bem salientado por T.R.S. Allan.1
A participação do réu em seu julgamento não é apenas um meio de assegurar que os fatos relevantes sejam trazidos à tona e os argumentos pertinentes considerados. Mais do que isso, o direito do acusado em ser ouvido é intrínseco à natureza do julgamento, cujo principal propósito é justificar o veredicto final para o próprio acusado, como resultado legal justamente obtido, concedendo-lhe o respeito e a consideração que qualquer cidadão merece.
Dessa forma, toda vez que o acusado é forçado a testemunhar ou produzir prova contra si mesmo não pode ser considerado como participante em um diálogo processual genuíno, consagrado constitucionalmente, por caracterizar-se o devido processo legal e um de seus principais corolários, o direito ao contraditório.2
Conforme já tive oportunidade de afirmar, o direito de permanecer em silêncio, constitucionalmente consagrado, seguindo orientação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que prevê em seu Artigo 8º, item 2, alínea g, o direito a toda pessoa acusada de delito não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada, apresenta-se como verdadeiro complemento aos princípios do due process of law e da ampla defesa, garantindo-se dessa forma ao acusado não só o direito ao silêncio puro, mas também o direito a prestar declarações falsas e inverídicas, sem que por elas possa ser responsabilizado, uma vez que não se conhece em nosso ordenamento jurídico o crime de perjúrio.
Além disso, o silêncio do réu no interrogatório jamais poderá ser tido como confissão ficta, pois o silêncio não pode ser interpretado em desfavor do acusado.3
KENT GREENAWALT salienta que o suspeito está normalmente sujeito ao alcance dos poderes compulsórios necessários para assegurar a confiabilidade da evidência: pode ser preciso submeter-se à busca de sua pessoa ou propriedade, dar suas impressões digitais e até mesmo ser preso, para que compareça ao interrogatório. Cabe, entretanto, ao suspeito escolher até onde vai auxiliar a acusação, oferecendo explicações ou admissões à luz das evidências contra ele: seu silêncio não deve ser punido ou tratado como evidência adicional de culpa.4
Não é constitucionalmente exigível que alguém traia a si mesmo – nemo debet prodere se ipsum –, como bem observado por KEN GREENAWALT.5
O direito do réu ao silêncio, e, conseqüentemente, o direito de não produzir provas contra si mesmo, também demanda a exclusão de uma confissão impropriamente obtida por outros meios que destróem sua natureza voluntária: qualquer indução de natureza de promessa ou ameaça exteriorizada pela pessoa com autoridade para obter a confissão ou a entrega de documentos e provas desfavoráveis.6
A obrigação de responder perguntas ou de fornecer evidências destruiria a natureza voluntária de qualquer confissão, induzindo, conseqüentemente, a suspeita de culpa sempre que o acusado não concordasse em produzir as provas solicitadas pela Polícia ou pelo Ministério Público.7
Não resta dúvida, portanto, que a garantia do direito ao silêncio – consagrada, como recorda o citado constitucionalista, “no histórico julgamento norte-americano Miranda vs. Arizona”, em 1966 – protege o acusado que não pode, como ensina, facilitar sua própria condenação, pela inquirição ou produção de provas contra si mesmo, sob pena do ferimento das mais básicas liberdades públicas.8
NOTAS1 ALLAN, T. R. S. Constitutional Justice. Oxford: University Press, 2006, p. 12.
2 Nesse sentido: Corte Suprema Norte-Americana – R. v. Sang [1980] AC 402.
3 Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 354.
4 GREENAWALT, R. Kent, Silence as a Moral and Constitutional Right (1981) 23 William & Mary LR 15, pp. 35-6.
5 Silence as a Moral and Constitutional Right, 1981 – 23 William & Mary LR 15, pp. 40-41.
6 Conferir, na Corte Suprema Norte-Americana: R. v. Baldry (1852) 2 Den 430, p. 445; R. v. Priestley (1965) 51 Cr App R1, Ibrahim v. R. [1914] AC 599; McDermott v. R. (1948) 76 CLR 501.
7 Conferir, ainda, a Suprema Corte Norte-Americana: R. v. Payne [1963] 1 WLR 637; R. v. Mason [1987] 3 All ER 481.
8 GREENAWALT, R. Kent. Silence as a Moral and Constitutional Right, op. cit. 47. Conferir, no Brasil: STF – Pleno – HC nº 78.814-9/PR – Medida liminar – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 8 fev. 1999, p. 3; RTJ 141/512, STF – Pleno – HC nº 79.812-8/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 16 fev. 2001, p. 91.
Fonte: REVISTA JURÍDICA CONSULEX |