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04/12/2008 - QUEM É IDOSO?
Encontrava-me outro dia na fila de um banco, quando um senhor fez intrigante indagação ao caixa:
– Quem é idoso para o banco? Uma pessoa com 60 ou 65 anos de idade?
O atendente esclareceu, convicto, que seria a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos de idade. Curioso, passei a examinar os textos legais e constatei que o ordenamento jurídico não trata a questão etária de maneira uniforme e clara, podendo a pessoa idosa ser aquela com 60, 65 ou 70 anos de idade, dependendo do diploma legal.
O IDOSO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
É imprescindível iniciar o exame do tema à luz da Carta da República, em que está consignado que a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) é um dos fundamentos basilares do Estado Democrático de Direito, que tem como objetivos precípuos, dentre outros, a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), e que promova o bem de todos, sem preconceito de idade (art. 3º, IV).
Bastaria isso para a devida proteção da pessoa idosa, contudo, o legislador constituinte estabeleceu expressamente, no caput do art. 230 da Carta Magna de 1988, o dever da família, da sociedade e do Estado de amparar as pessoas idosas, assegurando-lhes participação na comunidade, dignidade, bem-estar e o direito à vida. E mais, no § 2º do citado dispositivo, estabeleceu que aos maiores de 65 anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
Idoso seria, então, a pessoa a partir de 65 anos de idade? Parece que não, pois o art. 14, § 1º, II, b, da Constituição da República faculta o voto aos maiores de 70 anos, sinalizando-lhes a dispensa de exercer esse dever cívico.1 Outro exemplo se encontra na aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade dos servidores públicos (CRFB, art. 40, § 1º, II).
A pergunta não encontra resposta na Constituição da República. Passemos, então, à análise da legislação infraconstitucional.
APARENTE CONFLITO DE NORMAS
NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A Lei nº 10.173/01 introduziu o art. 1.211-A
ao Código de Processo Civil, estabelecendo que os procedimentos judiciais em que figura como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 65 anos terão prioridade na tramitação (de todos os atos e diligências, em qualquer instância). Criou-se, assim, situação especial dentre as regras gerais de direito processual.
Ocorre que, posteriormente, a Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso)2 estabeleceu que idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos (o que deve ter motivado aquela pergunta na fila do banco), assegurando, no art. 713, prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, em qualquer instância.
Sendo assim, a antinomia no âmbito do direito processual deve ser resolvida pelo critério temporal, uma vez que os dispositivos em conflito possuem a mesma hierarquia (leis ordinárias) e especialidade (lei especial se sobrepõe à lei geral). Em outras palavras, tratando-se de lei posterior e especial, há que prevalecer a norma inserta no Estatuto do Idoso, segundo a qual terão prioridade na tramitação os processos em que figurem como parte pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.
O IDOSO NOS OUTROS RAMOS DO DIREITO
O Código Penal estabelece que são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime, tê-lo o agente cometido contra maior de 60 anos (art. 61, II, h)4, certamente por se tratar de situação sujeita à reprovação social.
Ocorre que, ao tratar das circunstâncias atenuantes da pena, o próprio Código Penal prevê como hipótese ter sido o crime cometido por pessoa maior de 70 anos de idade, na data da sentença (art. 65, I).
Com isso, não fica clara a classificação de pessoa idosa para fins penais. Mas a imprecisão não termina aí, verificando-se ainda nos arts. 115 (70 anos); 121, § 4º (60 anos), 133, § 3º, III (60 anos), 141, IV (60 anos), 148, § 1º, I (60 anos), 159, § 1º (60 anos), 183, III (60 anos).
A divergência, porém, não é “privilégio” do CPC ou do CP; o próprio Estatuto do Idoso, em que pese consignar a idade de 60 anos de idade para classificar alguém como idoso (art. 1º)5, suscita dúvidas ao dispor, verbis:
Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.
(...)
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS;
(...)
Art. 39. Aos maiores de 65 anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares.
(...)
§ 3º No caso das pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 e 65 anos, ficará a critério da legislação local dispor sobre as condições para exercício da gratuidade nos meios de transporte previstos no caput deste artigo.
A polêmica se estende ao Código Penal Militar6, o qual dispõe que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do crime, ser o delito praticado contra “velho” (art. 70, II, h). E, ainda, que são circunstâncias que sempre atenuam a pena ser o agente maior de 70 anos (art. 72, I).
O Código Eleitoral7, por sua vez, aduz que o alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e outro sexo, salvo, quanto ao alistamento, aos maiores de 70 anos de idade.
CONCLUSÃO
Dessa sorte, para harmonizar os dispositivos normativos (solucionando aparentes conflitos), deve-se considerar como idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Entretanto, não se pode olvidar que, para a concessão de determinados direitos, a Lei exige que tenha o titular idade mínima de 65 ou 70 anos.
Parabéns, portanto, ao caixa do banco referido no início deste artigo, pois demonstrou estar sintonizado com o ordenamento jurídico nacional.
[voltar] | [topo]NOTAS1 Código Eleitoral (art. 6º, I, b).
2 Estatuto do Idoso.
3 O § 2º do art. 71 do Estatuto do Idoso reforça o conceito do caput ao trazer dispositivo com a seguinte redação: “A prioridade não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos”.
4 Com redação dada pela Lei nº 10.741/03.
5 Art. 1º da Lei nº 10.741/03.
6 Decreto-Lei nº 1.001/69.
7 Lei nº 4.737/65 (art. 6º, I, b).
Fonte: CONSULEX |